A indústria da distorção da notícia assusta até os jornais
Por Carlos Castilho em 26/09/2014
A infiltração de interesses políticos e econômicos disfarçados de informação no noticiário jornalístico deixou de ser uma exceção para transformar-se numa regra que já preocupa até os grandes jornais e revistas como o The New York Times e The Economist.
A preocupação resulta do fato de que é cada vez mais difícil distinguir
dados de interesse público de fatos, números e interpretações de
interesse privado, o que compromete a credibilidade do noticiário e consequentemente o faturamento das empresas jornalísticas de todos os tipos e tamanhos.
Os mais novos protagonistas no esforço para moldar a opinião pública por meio de notícias apresentadas como jornalísticas são os chamados think tanks, expressão
inglesa que poderia ser traduzida como grupos de estudo e pesquisa.
Eles passaram a ocupar o lugar dos lobistas e dos chamados spin doctors, outra expressão inglesa muito usada no submundo da distorção informativa. Os spin doctors são especialistas em interpretar um dado de acordo com as conveniências de quem o contratou.
Os think tanks já existem há muito tempo e muitos deles
surgiram associados a instituições acadêmicas, que lhes conferiram
credibilidade e respeitabilidade. Mas com a intensificação da guerra
pelo controle do noticiário, os grupos de pesquisa passaram a ser usados
pelos lobistas para produzir estudos financiados por empresas e
governos. Em alguns casos, os think tanks chegam até a contratar
jornalistas para produzir reportagens e informes, também financiados por
alguém, como é o caso de algumas organizações não governamentais
como Save the Children e Oxfam.
O sistema funciona da seguinte maneira: a instituição recebe um
financiamento para produzir um estudo analítico ou uma pesquisa sobre um
tema de interesse do financiador; as conclusões do trabalho são levadas
aos jornais, revistas e telejornais como material inédito e relacionado
a algum tema de atualidade. A partir da publicação, as conclusões
passam a ser citadas por políticos, empresários e governantes para
justificar ou refutar alguma questão em debate no Parlamento.
Esta prática tornou-se tão comum que os próprios jornais começaram a tentar encontrar maneiras de reduzir o mercado de notícias sob encomenda.
Há casos claros em que a empresa participa como cúmplice dessa
estratégia de vender gato por lebre, mas aumentou enormemente o número
de casos em que jornais e revistas são manipulados sem saber. Algumas
publicações passaram a exigir que os autores de artigos de opinião
declarem empregos e posições ocupadas anteriormente. Quando se trata de
relatórios ou informes, discute-se a exigência de identificação de
financiadores.
Só que isso é restrito a algumas poucas organizações jornalísticas, nos
Estados Unidos e Europa. Aqui no Brasil o tema ainda é tabu na grande
imprensa, embora algumas tímidas iniciativas de buscar mais
transparência sobre a autoria tenham sido feitas pela Folha de S.Paulo. O grande obstáculo é a complexidade da questão porque
a ocultação de interesses pode obrigar jornais, revistas e telejornais a
publicarem extensas explicações bem como investigações trabalhosas
sobre o que está embutido numa reportagem ou notícia. Os executivos da
imprensa reclamam muito do alto custo e do escasso beneficio imediato
desta busca pela credibilidade por meio da transparência da autoria.
Agora o pobre do leitor passa a ter que avaliar não apenas o conteúdo
da informação, mas também o seu autor, o que complica ainda mais a já
difícil tarefa de separar o joio do trigo no dia a dia do noticiário.
Isto reforça a necessidade de o público desenvolver o hábito da leitura crítica, algo que o Observatorio da Imprensa vem
promovendo há 18 anos. Como o tempo disponível pela maioria das pessoas
é limitado, não há outro jeito senão apelar para o compartilhamento de
leituras críticas, por meio de redes sociais, o que pode gerar a
formação de comunidades de informação.
Alguns jornais começam também a avaliar a possibilidade de incluir
informações de leitores na composição da ficha sobre autorias,
interessados e financiadores de estudos e pesquisas, mas segundo o
editor chefe do britânico The Guardian isso só poderá ser feito
em casos específicos porque é inviável para todas as notícias e
reportagens publicadas pelo jornal. Outra possibilidade é a colaboração entre órgãos da imprensa para reduzir a distorção e o viés nas notícias, dados e estudos. Mas isso esbarra na tradicional autossuficiência de empresas.
O resultado é que entramos decididamente na era da complexidade noticiosa, onde
o hábito de ler jornais, ouvir noticiários radiofônicos ou assistir a
telejornais deixa de ser algo simples e prazeroso para ser uma tarefa
árdua e muitas vezes frustrante. Basta ver o que acontece hoje com o
noticiário sobre a campanha eleitoral brasileira.
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