domingo, 7 de setembro de 2014

Um terço dos moradores da Baixada vive com meio salário

Estudo da Casa Fluminense revela ainda que, desses, 42,2% sobrevivem com até 1/4 do mínimo
Hilka Telles
Rio - A realidade socioeconômica da Baixada é um pesadelo para 33,7% de seus moradores. Estudo da Casa Fluminense, que se dedica a discutir a Região Metropolitana do Rio, mostra que, de seus 3,6 milhões de habitantes, 1.213.297 vivem abaixo da linha da pobreza, com renda de até meio salário mínimo. Desses, 507.640 (42,2%) sobrevivem com até 25% do salário. A pesquisa tem como base o Censo 2010, do IBGE, quando o salário mínimo era de R$ 510 — atualmente é de R$ 724. Já a definição da linha de pobreza baseia-se nos critérios do governo para a concessão de benefícios sociais.


 
Segundo a autora do estudo, a doutora em Economia e professora da UFRJ Valéria Pero, o caminho para que os índices sejam revertidos é árduo. Além de reforçar a qualificação na formação do trabalhador através de cursos técnicos, é necessário um pesado investimento na educação de base, a descentralização dos polos econômicos e a criação de uma governança metropolitana, que olhe a região como um todo, e não os municípios isoladamente. 
“Só a integração dessas frentes apontará caminhos para solucionar a questão”, diz Pero. Esta é a quarta reportagem da parceria entre o DIA e a Casa. Para efeito de comparação, no município do Rio a taxa de pobreza é de 20,9%. No Estado, ela vai a 26% — puxada pela Baixada.
Japeri dispara como o município com o pior índice: quase metade da população (45,9%) sobrevive com até meio salário — 43.830 pessoas. Entre essas, 19.193 (20,1%) só contam com até 1/4 do salário. Já em Belford Roxo, dos 469.332 moradores, 176.938 vivem abaixo da linha da pobreza (37,7%), dos quais 73.685 (15,7%) são considerados indigentes.
“É um círculo vicioso. A inserção precária no mercado de trabalho compromete a renda. A falta de qualificação de mão de obra, por sua vez, está ligada à carência de investimentos na educação”, explica Henrique Silveira, coordenador da Casa Fluminense. Na análise de Henrique, não basta abrir novas indústrias na Baixada Fluminense. “Como os moradores não têm qualificação, o empregador vai buscar a mão de obra fora”, conta. “E os habitantes locais acabam vendendo pão de queijo na porta para os que vêm de fora.” Ele prega a busca de consenso entre os novos projetos que se instalam na região e os moradores. “É preciso que estas indústrias dialoguem com a população do entorno e encontrem meios de inseri-la.”
No Grande Rio, três milhões de pobres

A expansão do olhar para toda a Região Metropolitana, englobando também Leste Fluminense e Rio de Janeiro, causa preocupação. Das 11,8 milhões de pessoas que moram no Rio e Grande Rio, quase 3 milhões têm renda de até meio salário mínimo, das quais 1.284.633 são indigentes. É como se enchessem 16 Maracanãs lotados com pessoas que vivem com apenas 25% de um salário mínimo para comer, morar, se vestir, ter transporte, lazer e pagar as contas básicas, entre outras prioridades.
O Leste Fluminense é composto por seis cidades: Itaboraí, Maricá, Niterói, Rio Bonito, São Gonçalo e Tanguá. Quanto mais afastados dos centros urbanos, pior a situação de pobreza e miséria nos municípios.
Como Tanguá, distante 50 quilômetros de Niterói e 63 do Rio de Janeiro — onde se concentram as ofertas de trabalho. Ali, 13.122 (42,7%) pessoas vivem com renda de até meio salário mínimo. Itaboraí é o segundo lugar no ranking: 72.160 (33,1%) de pessoas nesta situação.
O terceiro pior índice está em Rio Bonito: 17.776 moradores com renda de até meio salário. No total, 449.055 pessoas vivem abaixo da linha da pobreza. 
Bolsa Família evita tragédia

Na avaliação da economista Valeria Pero, se não fossem benefícios como o Bolsa Família e o Bolsa Carioca, o cenário de pobreza e miséria na Região Metropolitana seria muito mais desolador.
“A renda familiar per capita é o resultado do salário mais benefícios do governo que cada um recebe, dividido pelo número de pessoas na residência (até bebês entram na conta). O Bolsa Família e o Bolsa Carioca entram nessa contabilidade e aumentam a renda. O que se precisa fazer é aperfeiçoar as políticas de transferência de renda”, diz.
Mãe sustenta família com apenas R$ 100
Na casa de Dona Fernanda, cinco filhos e um neto não sabem o que é leite e carne
Hilka Telles
Rio - Fernanda Alves da Silva tem 37 anos, cinco filhos e ajuda a criar um neto de 2 anos. A única fonte de renda da família são R$ 100 que o ex-marido lhe dá mensalmente. Ela não paga aluguel, luz e água e o dinheiro é usado quase que exclusivamente na alimentação de toda a família. Mas qual o milagre que Fernanda opera, se a estimativa do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) é de que cada pessoa precisa no mínimo de uma cesta básica de R$ 330 por mês para se alimentar? 
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Fernanda, a cama de casal em que dormem três pessoas e o tapete, que abriga seus filhos homens à noite
Foto:  Cacau Fernandes / Agência O Dia

“A gente toma café preto de manhã. Não tem pão. No almoço, comemos feijão, arroz...”. Fernanda para. Não há mais o que enunciar. E carne? A mulher faz uma expressão facial como se tivesse ouvido um absurdo. “Não, a gente não come carne, não! Nem legume, nem verdura”, completa. E ovo? Fernanda dá um leve sorriso: “Uma vez ou outra”. Leite? “Ninguém bebe leite”, informa. A sorte do bebê é que ainda mama no peito.
Segundo ela, as compras mensais da família se resumem a 3 kg de arroz, dois de feijão, dois de açúcar, um de café, um de farinha, um de sal, um de cebola, um pacote de meio quilo de macarrão, alho e óleo de soja, além de material de limpeza da casa e higiene pessoal. Produtos que, obviamente, acabam em uma semana. “Quando sobra um dinheirinho, compro mais algumas coisas. Mas tem que guardar algum porque, de vez em quando, eles precisam de um caderno, um lápis”, revela.
Quarta-feira passada, já fim de mês, Fernanda estava em dificuldades. Ao abrir o pequeno armário de plástico, que muitos usam como sapateira e que ela transformou em despensa, havia apenas 1 kg de feijão, meio de café, um pote de fermento e um pacote de esponja de aço. As compras da mulher são tão modestas que ocupam apenas a primeira prateleira — as outras duas servem para guardar roupas.
A filha mais velha é Fabiana, de 19 anos, mãe do bebê e que está desempregada. Depois começa a escadinha: Alessandro, de 16; Eric, de 15; Maxwell, de 13; e Evelin, de 11, que recentemente teve raquitismo. Como Alessandro há três anos não quis mais estudar, a família perdeu o auxílio do Bolsa Família, que na ocasião era R$ 110, segundo Fernanda.
Todos moram num cômodo com minúsculo banheiro e pequena cozinha em São João de Meriti, Baixada. Fernanda dorme na cama de casal com a filha e o neto, enquanto os outros se alojam no chão de cimento, sobre um tapete que ajuda a bloquear a friagem. “Ponho duas cobertas sobre o tapete, mas quando faz frio, eles reclamam”, conta Fernanda. 
DIEESE
Cesta familiar custa R$ 1.320

Segundo o Dieese (Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos SócioEconômicos), a cesta básica mensal para um adulto precisa ter 6 kg de carne, 7,5 litros de leite, 4,5 kg de feijão, 3 kg de arroz, 1,5 kg de farinha, 6 kg de batata, 9 kg de tomate, 6 kg de pão, 600 g de café, 7,5 dúzias de banana, 3 kg de açúcar, 900ml de óleo e 750 g de manteiga. Seu custo no Rio de Janeiro, em julho de 2014, é de R$ 330.
Na família de Fernanda há dois adultos, três adolescentes e uma criança — fora o bebê de dois anos. Se os filhos fossem considerados como dois adultos para a composição das quantidades de comida necessárias à família, na casa de Fernanda se deveria gastar mensalmente R$ 1.320 apenas com alimentação.

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